segunda-feira, 29 de junho de 2015

Cadê a água

https://pt.globalvoicesonline.org/2015/06/28/brasil-obras-do-banco-mundial-deixam-comunidades-do-sertao-do-ceara-sem-agua-potavel-parte-2/

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Brasil: Obras do Banco Mundial deixam comunidades
do sertão do Ceará sem água potável (parte 2)
Escrito por Pública - Agência de jornalismo investigativo On 28 Junho, 2015 @ 14:58 |
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Jumento abandonado à própria sorte na beira da estrada, em Itapipoca, Ceará.
Seca é a pior dos últimos
60 anos, segundo a imprensa cearense Foto: Ciro Barros/Agência Pública CC-BY-ND
Esta matéria foi publicada originalmente pela Agência Pública [1] e produzida 
em parceria com o International Consortium of Investigative Journalists para 
a série Expulsos e Abandonados: Como o Banco Mundial Quebrou a sua 
promessa de proteger os pobres [2]. Ambos mantém uma parceria de publicação [3] 
com o Global Voices. Esta matéria será republicada pelo Global Voices 
em três partes. Veja aqui aparte um [4].

Água encanada só no papel

Nem todos os moradores que hoje vivem na Gameleira foram reassentados na agrovila.
Para lá foram as famílias mais pobres atingidas pelo açude: os agricultores que
moravam em propriedades alheias sem benfeitorias (obras), ou com benfeitorias
avaliadas em menos de R$ 5 mil pela SRH (o teto é R$ 12 mil no caso dos
proprietários que tiveram mais de dois terços de seus terrenos alagados).
A atenção especial “para os mais pobres”, porém, exigida pelas salvaguardas
 do Banco Mundial, não garantiu nem os direitos humanos essenciais desses
 moradores vizinhos à obra. Por sua vez, as obras do Gameleira ainda não
foram totalmente concluídas, embora as primeiras famílias tenham sido
transferidas em 2011 para a agrovila.
Plano de Reassentamento da Barragem Gameleira [5] previa, no
capítulo 6.10, a construção de uma adutora com capacidade mínima
de 30 mil litros para trazer água do açude para a agrovila, mas até hoje
essa obra não foi realizada. A empresa I. C. Projetos e Construções 
foi escolhida por licitação para fazer a obra [6], ao custo de cerca de
R$ 250 mil, mas os trabalhos de construção da adutora nem começaram
 ainda. Por isso, os moradores continuam dependendo do poço e, de vez
em quando, se cotizam para fretar um caminhão-pipa. Mas aí dependem
da boa vontade dos mandachuvas locais, como diz o morador Paulo Sérgio:
“Tudo aqui a gente meio que depende de falar com alguém, de conhecer
 alguém… Se você chama um caminhão-pipa, às vezes você fica esperando
dias pra ele chegar. Se você fala com um vereador, chega no mesmo dia”.
Há muitas outras decepções para os moradores expulsos pela obra
financiada pelo Banco Mundial. O posto de saúde previsto para a agrovila
 não passa de uma carcaça de concreto, com cadeiras amontoadas,
salas vazias e muita poeira; para conseguir atendimento médico, os
moradores têm de ir de pau de arara à área urbana de Itapipoca,
a 16 km dali. A coleta de lixo e a construção de áreas de lazer também
não saíram do papel. “A agrovila do Açude Gameleira deverá
transformar-se em um centro polarizador de serviços e de produção
 para a região”, diz o plano de reassentamento. Olhando em
volta, tudo o que se vê é um conjunto habitacional pobre,
com mais carências do que tinham os moradores antes da obra.
 Posto de saúde da agrovila não saiu do papel. Só há a estrutura de concreto, alguns móveis largados e muita poeira. Foto: Ciro Barros/Agência Pública CC-BY-ND

Posto de saúde da agrovila não saiu do papel. Só há a estrutura
de concreto, alguns móveis largados e
muita poeira. Foto: Ciro Barros/Agência Pública CC-BY-ND
“Naturalmente os beneficiários do plano que optarem pelo reassentamento
na Agrovila terão
suaRENDA MENSAL bem mais elevada, de acordo com os planos de atividades
econômicas propostos”, prometia o plano de reassentamento do açude Gameleira,
que previa o cultivo de culturas temporárias (feijão, milho, melancia e melão)
e permanentes (manga e goiaba) nos lotes agrícolas, além de piscicultura na
área alagada do açude.
Nada disso virou realidade. Os agricultores continuam lutando com a seca
para suas roças de subsistência e racionando a água que bebem.
“Se não tiver inverno [chuva], não tem nada feito. Por quê? A nossa água
não veio, a que foi prometida que viria por adutora. A salgada do poço mata
a plantação completamente. A doce ninguém pode comprar pra aguar um terreno
e sai caro porque o terreno é de cinco hectares, né?”, explica a agricultora
Expedita Fernandes de Souza, de 30 anos. Ela conta que, no início do ano
 passado, trouxe 1.500 pés de caju da sede da Ematerce (Empresa de Assistência
 Técnica e Extensão Rural do Ceará), em Itapipoca e, com a seca, não sobraram
nem 30 pés. Por isso, os moradores exigem da SRH a instalação de uma
 caixa-d’água à beira dos lotes agrícolas para compensar a perda dos terrenos
irrigados naturalmente que cultivavam antes da remoção. “Aqui a gente só trabalha
se tiver os invernos. Lá onde eu morava, não faltava serviço pro povo não”,
diz o agricultor Valmir Carlos da Silva.
 Único transporte ‘público’ para levar os moradores da agrovila para a área urbana das cidades próximas são os paus-de-arara (ou “carros de feira”) Foto: Ciro Barros/Agência Pública CC-BY-ND

Único transporte ‘público’ para levar os moradores da agrovila para a área
urbana das cidades próximas
são os paus-de-arara (ou “carros de feira”) Foto: Ciro Barros/Agência
Pública CC-BY-ND

Tribunal de Contas do Ceará: assentamento foi feito em 

“condições sub-humanas”

Pouco mais de um ano após o início do reassentamento das famílias para a
 agrovila Gameleira, o promotor Glaydson Alexandre, do Ministério Público de
 Contas do Estado do Ceará, fez uma inspeção no local, a pedido do promotor
 Igor Pereira Pinheiro, do Ministério Público Estadual da comarca de Trairi,
município em que está localizada a agrovila.
O resultado da visita foi uma representação no Tribunal de Contas do Estado
 contra a SRH e contra a EIT, a empresa que construiu o açude e a agrovila.
“Como se constata, as famílias assentadas vivem em condições sub-humanas,
pela falta da infraestrutura prometida pelo Estado, através da SRH,
e não realizada pela empresa contratada, EIT, que acaba por colocar
aquelas famílias em situação de miséria, ante a falta de água e energia.
Frisa-se que, sem água e energia elétrica, os colonos não podem realizar
as suas rotinas básicas e ficam impossibilitados de ganhar alguma renda”,
escreveu o promotor na representação de março de 2012.
“É importante ressaltar que, no caso em apreço, é nítida a ofensa
 ao princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a
SRH e a EIT descumpriram o contrato firmado entre ambos, que
culminaria na efetivação de benfeitorias aos colonos assentados.
Pior, a SRH não logrou em tornar realidade as promessas (contrato implícito)
efetivadas às famílias, deixando-as em condições sub-humanas,
ante principalmente a falta de água e energia elétrica para a
comunidade Gameleira”, destacou o promotor na mesma peça.
Francisco Venílson dos Santos, de 39 anos, lembra que, logo depois
que se mudou, se irritava ao olhar a caixa-d’água, sempre vazia, construída
no meio da comunidade. “Eles foram lá, fizeram essa caixa só pra boniteza,
só pra ficar bem na foto. Água mesmo não tinha não, e não tem até hoje,
ali dentro”, comenta. “Sem luz aqui era horrível. A gente passava muita
dificuldade. Cozinhava uma coisa e estragava em seguida porque não
tinha onde guardar. Não tinha uma água pra gente decentemente tomar,
era ruim demais”, relembra a agricultora Maria Cícera da Silva Santos Arruda.
Foi quando Paulo Sérgio Alves, o mesmo que está hoje na associação
dos moradores, resolveu fazer algo para ajudar a comunidade.
“Aí eu conversando com um colega, a gente viu um dia a equipe da
Coelce [Companhia Energética do Ceará] mexendoNUNS fios.
Aí eu virei pra ele falei: ‘Bora arrumar uns fios e vamos colocar um gato’.
Não dava mais pra ficar sem luz”, conta, referindo-se à
instalação ilegal de luz (o “gato”). Paulo subiu num dos
 postes da rede elétrica das comunidades próximas e puxou um fio para
dentro das casas dos reassentados. “Nas casas que tinha gente, eu consegui
colocar em todas. Todas mesmo. Aí a gente conversou aqui e eu pedi pra eles
que acendessem só um bicozinho de luz por casa, que não abusasse da energia.
Geladeira, essas coisas, não tinha como ligar. Porque, se desse problema,
ia tirar a luz de outros moradores que pagavam, né?”, diz.
O “gato” durou mais ou menos nove meses, até que, em janeiro de 2012,
a Coelce cortou a gambiarra, como lembra, ainda revoltada, a agricultora Expedita.
 Moradora da área do Cipó, comunidade à beira do rio Mundaú, ela tocava com o marido
um bar na própria casa de taipa em que viviam para complementar a renda familiar.
“Lá eu tinha a minha venda, fazia minhas serestas, festinhas de alpendre assim.
Eu e meu marido somos agricultores desde que nascemos, mas a gente tinha montado
esse negócio pra ver se dava uma rendinha diferente pra gente viver. E tava dando certo.
Aí, quando foi pra vir pra cá, nós vendemos tudo. Tive que desfazer tudo pra
vir pra cá, tive que vender barato as nossas coisas pra sair rápido.
E vendi todas as minhas coisas pela metade do preço: a mesa de som, caixas,
DVD, as cadeiras…”, diz. “Foi duro depois ver que eu tinha tido tanta pressa,
mas aqui as coisas não estavam nem prontas ainda. Saímos lá do nosso canto
pra vir pra cá passar aperreio.”
Dois meses após a primeira manifestação, o Ministério Público de Contas voltou
a criticar a SRH e a EIT em outra representação oficial – a essa altura, em março
de 2012, a primeira representação no TCE havia se tornado um processo.
Depois de ter analisado a documentação referente ao caso e as explicações da SRH,
o promotor Glaydson Alexandre reafirmou que “a comunidade de Gameleira foi exposta
 a uma situação de total miséria, sem direito sequer a água e a energia.
Neste ponto, tal contexto é agravado diante da verificação de que tais famílias
 detinham, antes da atuação estatal, fonte hídrica e energia elétrica em
suas residências, conforme ficou assente no Plano de Reassentamento
da Barragem Gameleira”.
A energia da Coelce só veio no fim de 2012, segundo os moradores – quase dois anos
após a realização do reassentamento. Foi quando a Superintendência das Obras
 Hidráulicas (Sohidra) instalou o poço com dessalinizador na comunidade.
O processo no TCE ainda não foi apresentado ao pleno do Tribunal para julgamento.

Banco Mundial: atrasos e problemas

O Banco Mundial também reconheceu que houve atrasos e problemas
no processo de reassentamento da Gameleira, no
Relatório de Conclusão de Implementação e Resultados [7]
do PROGERIRH, publicado em dezembro de 2012. “As famílias foram reassentadas
em janeiro de 2011, mas só tiveram acesso a água e energia em dezembro de 2012,
apesar das muitas recomendações e alertas dadas pelo Banco em diferentes
missões de supervisão em 2011 e 2012. Os atrasos se deram por problemas financeiros
 de algumas empreiteiras e pela falta de coordenação entre a SRH e a
Companhia de Energia”, diz o texto, que não menciona a falta da adutora nem
explica que a água disponível vem do poço e é, em sua maior parte, salgada.
Os problemas na Gameleira foram um dos fatores que contribuíram para que a
avaliação geral do projeto fosse rebaixada para “moderadamente insatisfatória”.


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banco-mundial-deixam-comunidades-do-sertao-do-ceara-sem-agua-potavel/
[5] Plano de Reassentamento da Barragem Gameleira:
http://apublica.org/2015/04
/obras-do-banco-mundial-deixam-comunidades-do-sertao-do-ceara-sem-agua-potavel/%20http://www.srh.ce.gov.br/categoria2/categoria2/
PRI-GAMELEIRA-13112008.pdf
[6] I. C. Projetos e Construções foi escolhida por licitação para fazer a obra:
http://imagens.seplag.ce.gov.br/PDF/20141230/do20141230p02.pdf
[7] Relatório de Conclusão de Implementação e Resultados:
http://documents.worldbank.org/curated/en/2012/12/17184404/
brazil-ceara-integrated-water-resources-management-project

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quarta-feira, 17 de junho de 2015

FESTIVAL DE BANDAS

GRANDE FESTIVAL DE BANDAS NA ESCOLA PROFISSIONAL DE TRAIRI
DIA 1º DE JULHO, A partir das 13 horas (até as 17 horas), SHOW ABERTO AO GRANDE PÚBLICO. Participação:Banda R.POP (antiga Banda Medley).
QUATRO horas de muito Show na Quadra da Escola no Encerramento do Semestre. Patrocínio do Vereador Willame Montinegro.